O Brilhante e o Opaco

Millôr Fernandes

O vaga-lume, de vago lume esverdeado, fazia voltas e voltas em torno de si mesmo, no encanto indisfarçável de seu próprio brilho. E, enquanto revoava pela escuridão da mata, de galho em galho dos arbustos, pensava com seus botões (luminosos):

— Sou todo uma esmeralda só, brilhante e viva. Deus, Todo-Poderoso, ao me fazer um inseto noturno e me dar essa luz, evidentemente quis que eu fosse superior a todos os outros insetos, guia e Orientador da mata.

E voava e voava e brilhava e brilhava e pensava e pensava:

— Haverá, em toda a mata, outro como eu? Pois dentro do verde que pisco ainda há outro mistério: ninguém sabe se apago-e-acendo ou se acendo-e-apago.

Voava mais e, descrevendo parábolas de luz por entre as flores, mais se envaidecia na comparação com os outros habitantes da floresta:

— Pobres irmãos inferiores, eu vim para protegê-los das trevas. Vocês, grilos de asas cinzentas e sem brilho, formigas que trabalham e suam sem um instante de luz e fulgor, mariposas que por serem opacas, qualquer luz liquido, míseras lagartas imitadores de acordeões sem som. Aranhas destinadas a serem feias tecelãs de sedas que jamais verão prontas,cupins que perdem as asas e ficam tontos até morrer, oh! Para vocês todos, aqui está minha luz verde. Imitem-me os que puderem, sigam meu brilho maravilhoso os que estiverem perdidos nos caminhos.

E voou mais alto e se comparou às estrelas:

— Sou uma de vocês, irmãs! Pisco no céu, como vocês! Sou a Vésper, a estrela da noite, sou Alba, a estrela da manhã. Faço parte da constelação da selva, vivo, vivo!

Foi descendo de novo quando, súbito sentiu uma lufada de ar que o envolvia, algo pegajoso que o segurava e logo estava fechado numa atmosfera nojenta e escorregadia. Sua luz iluminou um pouco a escuridão intensa e ele viu, em volta, centenas de insetos, apertados uns contra os outros, num cubículo úmido e sujo.

Uma lesma sonolenta, levantou a cabeça e gritou com voz rouca e irritada:

— Idiota, idiota, se não fosse você, com essa mania de iluminação noturna, o sapo-boi jamais teria nos engolido no escuro. Vamos, idiota, apaga essa luz que eu quero dormir!

Ouça também o áudio desse texto