Por Maurício Góis
Pare de pensar como águia e trabalhe mais como galinha.
Todo mundo diz que a águia é o símbolo da excelência e a galinha é o exemplo da incompetência e covardia. Coitada da galinha no mundo dos negócios! Há muitas histórias motivacionais que colocam a águia lá em cima, nas nuvens do sucesso e do entusiasmo. A mais conhecida delas é a da águia filhote que caiu num galinheiro e, de tanto viver entre as galinhas, acabou por pensar e agir como uma delas até o dia em que bateu as asas da autodescoberta e voou para os céus da realização. No mundo corporativo, a águia é nota cem, e a galinha é o ponto zero. Mas eu quero aproveitar esse momento para ressuscitar a dignidade da galinha. Na arte de administrar uma empresa, dirigir equipes e ser um profissional, não há vantagem alguma em ser águia. Vamos analisar nove razões:
- Muita gente diz que a águia é o símbolo do sucesso porque não vive em bandos. Ora, e qual é a vantagem disso? O que se prega com essa ideia é que o trabalho em equipe não tem valor e que precisamos ser individualistas. Sua equipe pensa como bando? Ótimo, é a sua oportunidade de transformar bandos em grupos, grupos em turmas, turmas em equipes e equipes em times. Ser galinha é pensar com o espírito de “estar junto” e jamais se debandar. Ponto para a galinha!
- Sim, a águia ensina seus filhotes a voar. E sabe qual é o método dela? A violência. Que raio de didática é essa que pega um filho e leva-o ao alto de uma montanha com o aviso “voe ou morra”? Já a galinha ensina seus filhotes a andar e usa um método muito moderno: ela vai à frente e seus pintinhos a seguem. Nesse sentido, a galinha pode ser o símbolo da liderança, do treinamento e da educação corporativa. Joe Baker dizia que liderar é você ir à frente e levar seu pessoal a um lugar em que eles jamais iriam sozinhos. Viva a galinha!
- A águia é citada como o símbolo do poder porque ela vê de cima. Ora, visão, missão, concentração e ação são os quatro “ãos” das pessoas fabricantes de resultados. E a visão é o sustentáculo de qualquer negócio. Mas, hoje, é preciso ter uma visão sextavada, ou seja, é necessário olhar de cima, de baixo, do lado direito, do lado esquerdo, por trás e pela frente. E olhar para frente é fazer exercícios de futurologia apostando no que poderá vir a ser. Olhar para trás é prever o que os concorrentes poderão fazer depois que você lançar seu produto ou serviço revolucionário e assim por diante. A águia só vê de cima, e a galinha só vê de baixo. Nesse item, é zero para as duas.
- Para muitos publicitários, a galinha continua ainda a ser um dos símbolos do marketing. Ela produz um produto de excelente qualidade e anuncia para todo mundo que ele existe: o ovo, símbolo da embalagem perfeita. Já a águia faz tudo escondido.
- Quem foi que disse que a águia, ao completar 40 anos, fica com as garras flexíveis e não consegue mais pegar suas presas? Quem afirmou que ela, por ficar com as asas envelhecidas, vai ao topo de uma montanha e lá fica 150 dias se automutilando num duro processo de reconstrução? Você já consultou um ornitólogo? Pois bem, a automutilação em animais acontece em situação de grande estresse ou doenças de pele, mas não para renascimento do que se era antes. A velhice, pelo menos até agora, é inevitável para homens e bichos. Mas para os inventores de parábolas motivacionais tudo faz sentido, pois o importante é manipular a imaginação seduzida. Há pessoas afirmando que, durante os 150 dias em que a águia fica na montanha renovando o bico, remoçando as penas e recriando sua nova natureza, as outras águias do bando a alimentam. Ora, mas não se prega que a águia não vive em bando? Caramba! Vou bater palmas para a galinha. Ela é mais sincera, é o que é e pronto.
- Sabe os três pontos que a águia tem sobre a galinha? O folclore, a cultura e a linguagem. Se você ouvir alguém dizer que “aquele homem é galinha”, por certo decodificará um significado diferente do que se ouvisse “aquela mulher é galinha”. Está aí uma das poucas vantagens da águia sobre a galinha: a linguística. Grande coisa! Você gosta mais de cachorro ou de gato? Mas prefere que eu lhe diga que você é um cachorro ou que é um(a) gato(a)? O marketing, as vendas e o sucesso não vivem dos conflitos entre significantes e significados.
- A galinha é um dos ícones do carinho, afetividade e amor. Aquela história de uma galinha que, num incêndio, foi encontrada morta com as asas em cima de seus pintinhos vivos deve ser apenas uma ilustração, mas pode ser verdade. O caráter/instinto da galinha é capaz de tal façanha, e o lema da águia é “salve-se quem puder”.
- A galinha é o símbolo da prestação de serviço. Aliás, ela presta serviço enquanto está viva, ao botar ovos, e, quando morre, beneficiando-nos com sua carne. Há algum açougue que vende ovo e carne de águia? Um bom profissional imita a galinha: quando o cliente está vivo, o gerador de lucros oferece bons produtos e serviços e, quando o cliente “morre”, isto é, deixa de ser cliente, ele dá seu sangue para recuperá-lo.
- A ideia de que a galinha é o símbolo do envolvimento, e não do comprometimento, não é verdade. Prega-se por aí que o boi (alguns dizem que foi o porco) abriu uma empresa com a galinha, mas ela não foi para frente porque, enquanto a galinha botava um ovo, o boi dava o sangue, ou seja, se comprometia. Ora, quem disse que se comprometer é morrer? Morrer pela empresa não é a questão, desafiador mesmo é viver por ela. Uma galinha de fazenda bota um ovo de boa qualidade e volta no outro dia para botar outro – e garanto que ela nunca ouviu falar de kaizen, just in time e círculos de controles de qualidade.
Bem, depois de reler este meu artigo, tomei uma decisão: confesso que não tenho vocação alguma para soltar a franga, mas vou despertar a galinha que existe dentro de mim. É uma das opções que eu encontrei para voar como uma águia.
(artigo de Maurício Góis originalmente publicado na revista Venda Mais)