Gilberto Cabeggi
Havia parado de chover fazia pouco mais de trinta minutos, e o sol já brilhava imponente, dando reflexos suaves em árvores e arbustos. Foi mais uma chuva de verão.
Naquele sítio, tudo convidava para uma caminhada: era o mato cheirando a molhado, os pássaros que voltavam a cantar alegremente, os pequenos insetos que começavam a esvoaçar, procurando secar suas asas ao sol.
Um sábio de nome Jonas PahNu convidou e Daniel, seu discípulo, aceitou de imediato: puseram suas bermudas e camisetas, sandálias confortáveis e chapéus de palha, e foram percorrer as vizinhanças da casa, procurando por novidades.
Depois de algum tempo, o garoto se distraiu e se afastou do mestre. Quando se deu conta disso, chamou por Jonas:
— Ei, Mestre… Onde está você?
— Aqui, garoto… Bem aqui – uma voz respondeu a poucos metros de distância.
Daniel seguiu na direção da voz e encontrou o mestre PahNu sentado em um tronco, observando curiosamente alguma coisa.
— Venha. Venha ver, Daniel – disse o mestre, ao perceber a proximidade do garoto. “Sente-se aqui, ao meu lado” – completou.
O discípulo obedeceu e, ao sentar-se também no tronco, percebeu o que tanto atraía a atenção de seu mestre: uma pequena flor branca, em forma de taça, recebia gotas de água que caiam de folhas molhadas, que estavam um pouco mais acima que ela. À medida que as gotas caíam, a pequena taça ia sendo enchida. Até que, num determinado momento, sua haste não suportava o peso, vergava e derramava toda a água. Uma vez vazia, a flor voltava então à posição normal, e recomeçava a receber a água das folhas. E todo o processo se repetia.
— Legal, Mestre! – disse Daniel, visivelmente divertido com o que via.
— Muito legal mesmo, meu garoto – confirmou Jonas. Mas, observe bem… Será que não há uma lição a aprender daí?
O discípulo olhou novamente para a flor, justamente no momento em que mais uma gota caia e, ao cair, transbordou a taça e a fez entornar. Orgulhoso, Daniel olhou para Jonas PahNu e disse eufórico:
— Na vida, sempre há uma gota d’água que é a que entorna o copo. É ela que faz com que a água toda se derrame.
— E o que isso quer dizer? – perguntou o mestre.
— Quer dizer que sempre que um acontecimento desagradável, ou um gesto ruim de alguém, ultrapassa a capacidade de suportar de uma pessoa, ela toma uma atitude, ou parte para uma mudança radical em sua vida. Acertei? – perguntou o garoto, ansioso pela aprovação do mestre.
— Em parte, sim…
— Como assim, Mestre?
— Sempre que o copo entorna – isto é, sempre que a situação na vida de uma pessoa ultrapassa os seus limites suportáveis – ela parte para uma atitude de mudança daquilo que está vivendo. Nisso você tem razão. Mas a última gota d’água – aquele problema que faz com que o limite da pessoa transborde, seja ultrapassado – não é a responsável por provocar essa atitude.
— Não é? Mas… Nós vimos a flor virar de boca para baixo com essa última gota, e derramar todo o seu conteúdo!
— Você tem razão, Daniel… Nós vimos. E é sempre assim: todo recipiente tem uma capacidade limitada ao seu volume máximo. Depois disso, ele transborda. Mas a culpa não é somente daquela gota adicional, mas de todas as outras gotas depositadas anteriormente.
É por isso que há relacionamentos que se desfazem. Não foi por uma única palavra, gesto ou ação. Foi por causa de todas as palavras, gestos e ações que se antecederam. Em um casamento, por exemplo, é preciso que o casal se habitue a esvaziar a taça periodicamente. Quero dizer, é necessário que conversem sempre sobre seus problemas e dificuldades, de modo a não deixar que os desentendimentos se acumulem.
É preciso evitar que a taça vire devido ao excesso de peso na relação. Mesmo porque, na vida a dois, nem sempre a taça se coloca outra vez de pé, disposta a receber água novamente, como observamos com essa nossa pequena flor.
Gilberto Cabeggi é escritor, autor do livro “Todo Dia É Dia de Ser Feliz”, pela Editora Gente.