Rosana Braga
Lá vai minha filha quase voando no seu vestido etéreo.
Lá vai minha filha de olhos amendoados e pele macia. A menina que estreou a mãe em mim. A menina que chegou trazendo todo um universo de novidades: emoções, medos, encantamentos, aprendizados.
Crescemos juntas: eu aprendendo a ser mãe e ela aprendendo a ser ela mesma. Descobrimos duas palavras mágicas: ela me chamou mãe e eu a chamei filha. Palavras novas e tão viscerais que pacientes esperavam para se cumprir.
Éramos duas sendo uma em muitos sentidos. Carne da minha carne, fruto do meu amor, sonho dos meus sonhos. Ela me expandia e eu a protegia. Ela me dava a mão e eu todos os sumos. Ela me dava a eternidade e eu lhe dava asas.
Ela me alargava o coração e eu lhe ensinava a caminhar sozinha. Ela me cobria de beijos e eu a cobria de bênçãos. Ela me pedia colo e eu lhe pedia sorrisos. Ela me traduzia e eu a decifrava.
Ela me ensinava e eu lhe descortinava o mundo. Ela me apontava o novo e eu lhe ensinava lições aprendidas no passado. Ela me falava de fadas e princesas e eu lhe falava de avós e gentes. Ela me emprestava seus olhos encantados e eu rezava por um mundo melhor. Ela me tirava o sono e eu cantava para ela dormir. Ela me alegrava a vida e eu vivia para ela.
Quando um filho nasce começamos a nos despedir dele no mesmo instante. Nosso, ele só é quando no ventre. Depois somos seus abrigos, seus condutores, seus provedores sem nunca esquecer que eles começam a ir embora no dia que nascem.
No começo o tempo parece parar. A plenitude da maternidade e a dependência dos pequenos criam uma ilusão de que será assim para sempre. Mas não, eles crescem inexoravelmente em direção à independência.
Cumpre-se o ciclo da vida e é melhor que seja assim, caso contrário, significa que algo de muito triste, inverso ou perverso aconteceu.
Lá vai minha filha. Assim seja.
Olho seus olhos profundos e vejo os mesmos olhos que ainda na sala de parto me olharam intrigados, solenes, como que me reconhecendo, me convocando. Eu disse “sim” à minha filha e imediatamente a segui desde aquele instante, entregue, eleita.
O amor que eu senti foi tão avassalador e instantâneo que eu cheguei a ter medo. Sim, na hora que nasce o primeiro filho, a gente compreende a fragilidade da vida, a fugacidade das coisas e a passa a ter medo de morrer.
O fato dela precisar de mim me tornava única, imprescindível. Eu não podia falhar, eu não podia morrer, afinal foi ela quem me escolheu. A partir dali, tudo mudou, meu espaço, meu papel, minha relação com o mundo adquiriu outra dimensão: eu era sua mãe!
Crescemos juntas. Somos amigas. Mãe e filha. Ao longo desses anos rimos, choramos, brigamos, resolvemos impasses, estreitamos laços, vencemos batalhas, enfrentamos noites escuras. Contamos uma com a outra, sempre.
Às vezes era eu quem a socorria outras vezes era ela quem me amparava. Não foram poucas as vezes em que os papéis se inverteram e ela foi minha mãe. Às vezes me pergunto se eu dei a ela tanto quanto recebi. Sinceramente, acho que não. Desde o momento zero ela transformou minha vida e, num movimento contínuo, faz de mim uma pessoa melhor.
Lá vai minha filha. Apaixonada e confiante. Ensaiando voos, escolhendo caminhos, encerrando ciclos.
Eu feliz, penso: cumpra-se!