Liberato Vieira da Cunha
Há muito adotei um costume que me aparenta vagamente com os ratos de biblioteca. Sou um devorador compulsivo de sopas de letrinhas, não importa se as de um romance, de um jornal, de um guia telefônico ou de um outdoor. Descubro agora espantado que um dos maiores escritores de nosso tempo considera que ler sempre foi e será sempre algo para uma minoria.
José Saramago declarou, para quem quisesse ouvir, que estimular o hábito da leitura é empresa inútil e não se pode exigir de ninguém que morra de paixão por ela. O Nobel português criticou um plano do governo socialista de seu país para incentivar a leitura entre as crianças, apesar de ser ele próprio membro de um comitê honorário que se dedica exatamente a estimular aquela prática desde a infância.
O autor de O Ano da Morte de Ricardo Reis é polêmico pela própria natureza. Desta vez, no entanto, parece que carregou na dose. Na Idade Média, ninguém lia, a não ser os monges copistas. Depois de Gutenberg, essa passou a ser a diversão de uma elite. Em nossos tempos, contudo, em que uma simples história de fantasia e suspense como O Código da Vinci vende 50 ou 60 milhões de exemplares, já não se pode dizer que a literatura, mesmo a dos best-sellers, seja mania exclusiva de um círculo de eleitos e muito menos que deva continuar assim.
Conheci na Alemanha um projeto, que nasceu tímido e hoje tornou-se multinacional, cujo único objetivo é aproximar meninos e meninas dos livros já no jardim de infância. O presidente de honra desse movimento é o presidente da RFA em pessoa. Não creio que Sua Excelência ou os milhares de voluntários devotados à mesma causa sejam lunáticos.
O Brasil não é nenhum espelho para o mundo nesse campo. Mas vale também para nós uma regrinha simples: aprende-se a gostar de ler quando se é criança ou nunca mais se contrai o agradável vício. Conheço pais que lêem para seus filhos à noite. Outros adotam a receita do exemplo: têm sempre um livro ao alcance da mão. Mas é do professor a grande missão de converter o testemunho do lar em um exercício para toda a vida.
José Saramago é um excelente ficcionista. Aqueles enormes óculos denunciam também um leitor impenitente. É por isso que acho que valem para ele as palavras de um de seus colegas, hoje gloriosamente jovem aos cem anos.
“O livro tem a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado”
- falou e disse Mario Quintana.
Porto Alegre, 22 de agosto de 2006
Zero Hora, Edição nº 14973