Cláudio Moreno
Das muitas discussões travadas entre Zeus e Hera, o casal real da mitologia grega, uma delas tornou-se inesquecível. Ninguém ignorava que ele era dado a aventuras amorosas com outras deusas, com ninfas e com belas mortais. Um dia, apanhado em flagrante por Hera, tentou justificar-se alegando que não tinha culpa, porque, afinal, o prazer do homem era muito menos intenso que o prazer da mulher, e ele estava apenas tentando compensar a baixa qualidade pela grande variedade. Como Hera não concordasse quanto a esse ponto essencial, resolveram procurar um terceiro para servir de juiz. O problema não era nada simples, pois perguntar a um homem ou perguntar a uma mulher traria uma resposta fatalmente prejudicada, reduzida às limitações do ponto de vista de um ou do outro sexo.
Ambos lembraram então de Tirésias, o pastor que, já homem feito, tinha sido transformado em mulher, vivendo assim por sete anos, ao cabo dos quais voltara a ser homem de novo. Uns dizem que, durante esse tempo, ele – ou ela – foi prostituta famosa; outros, que casou e teve dois filhos. De qualquer forma, só ele podia comparar o desejo que nasce do corpo de um homem com o que nasce do corpo de uma mulher, e sua resposta – “Do prazer, o homem aproveita uma parte, enquanto a mulher aproveita três vezes três!”- foi imortalizada pela mitologia e pela literatura. Por que não ocorreu a ninguém – fosse deus, fosse mortal – aproveitar Tirésias para esclarecer de uma vez por todas as diferenças entre o mundo masculino e o feminino? A resposta está no próprio mito: só o corpo tinha sido trocado por um corpo de mulher, mas a mente, em momento algum, tinha deixado de ser a mente do mesmo Tirésias de sempre. Ele podia opinar sobre o prazer que sentiu, mas era só isso. Naqueles sete anos, seu espírito tinha habitado um país exótico, com paisagens desconhecidas, totalmente incompreensível para ele. Tirésias era como um daqueles tupinambás que os franceses levaram daqui, em 1550, para apresentar em Rouen, na festa dedicada a Henrique II e a Catarina de Médici, como exemplo típico de nossos nativos. Alguns ficaram por lá, mas outros conseguiram voltar às suas aldeias, com notícias do mundo diferente que tinham visitado; podemos imaginá-los à noite, em torno da fogueira, com os olhos ainda cheios de assombro, tentando descrever o brilho de uma corte renascentista, cheia de espelhos, castelos, carruagens, pontes, cavalos, todas essas coisas estranhas que tinham visto do outro lado do mar e que nunca poderiam entender, até porque a língua que falavam sequer tinha palavras para designá-las. Da mesma forma, o homem jamais poderá saber o que realmente se passa no coração da mulher – e vice-versa. Um só pode ver o outro com os olhos que lhe pertencem e, como o selvagem que foi a Rouen, guardar dessa fantástica viagem algumas imagens dispersas cujo significado jamais conseguirá entender plenamente.
Porto Alegre, 29 de agosto de 2006
Zero Hora, Edição nº 14980